terça-feira, 23 de outubro de 2012

TEXTO PARA INTERPRETAÇÃO

Não despertemos o leitor
Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo. Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.
"A vida é um fardo" - isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: "disse Bias". Bias não faz
mal a ninguém, como aliás os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava
Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, devia ser a delícia e a tábua de salvação das conversas. Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.
Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurãoqualquer declara em entrevista: "O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!" O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a
imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois
nada foge ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.

(Mario Quintana. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2005. v. único. p. 275-276)

Texto II
Clichês são expressões tão utilizadas e repetidas que se desgastaram e se afastaram de seu significado original. Essaespécie de "preguiça linguística" que poupa esforços, inibe a reflexão e multiplica a passividade entre interlocutor e
receptor, permeia todos os níveis da linguagem, da conversa de elevador aos discursos políticos, passando, obviamente, pela mídia. Ao usar clichês como muletas do discurso, o texto certamente flui com facilidade - a linguagem, porém, empobrece. O clichê nasce como uma ideia criativa, mas é repetida à exaustão e se transforma em um cacoete. Ele está inserido num contexto que a gíria nunca alcança e o provérbio sempre ultrapassa - a gíria pressupõe vitalidade e o provérbio, ao contrário, já nasce cristalizado. Entre os chavões mais comuns estão as locuções e combinações invariáveis de palavras (sempre as mesmas, na mesma ordem), como "frio e calculista", "mentira deslavada" e "chuva torrencial". Esse tipo de clichê está presente na linguagem falada e escrita, seja formal ou informal.
O desconforto em relação ao uso de clichês está na denotação de falta de originalidade, exigindo um mínimo de produção e de interpretação. Por outro lado, os clichês presentes em um texto, um filme ou uma conversa apenas são entendidos como tal se os interlocutores tiverem referências em comum. A tensão entre a necessidade de ser entendido e a vontade de fazê-lo com expedientes criativos e originais pode levar, num extremo, à adoção de uma linguagem privada e ininteligível. Segundo o psicanalista e sociólogo alemão Alfred Lorenzer, o indivíduo se afasta da interação social por conta do uso de palavras-chave, que ele emprega sem pensar no que significam e que recebe e repassa como moeda de mercado.
A escassez de significado que marca o clichê representa o empobrecimento da linguagem e, por consequência, a
incapacidade de interpretar e criticar o mundo sensível dos fatos. Em outra visão, o sociólogo Anton C. Zijderveld defende que "A vida social cotidiana é uma realidade impregnada por convenções e este fato prosaico constitui a própria base da ordem social. (...) Sem clichês, a sociedade degeneraria num estranho caos".

(Adaptado de Tatiana Napoli. Língua portuguesa. São
Paulo: escala educacional, no 17. p. 48-51)

1. Ambos os textos

(A) se aproximam quando se referem a um eventual
leitor, que pode estar sonolento ao ler uma obra, e a
um autor que, por ser original, se torna incompreensível.
(B) estabelecem uma situação paralela de compreensão
mútua entre autor e leitor, no texto I, e entre
interlocutor
e receptor, no texto II.
(C) são concordes quanto ao fato de que o lugar-comum
dispensa maior elaboração, quer da parte de quem o
repete, quer da parte de quem o lê ou ouve.
(D) realçam a importância da opinião de certas pessoas,
tal como a do "figurão" no texto I, ou a dos
especialistas
que foram citados, no texto II.
(E) apontam o sucesso incontestável das frases
pronunciadas
por pessoas de prestígio, seja nos tempos
antigos, seja na atualidade.

2. Fica claro, no texto II, que os clichês:

(A) podem ser a fórmula ideal para garantir o sucesso
literário de um escritor, pois é necessário que ele
seja facilmente entendido pelos leitores.
(B) resultam em desconforto para quem fala e também
para quem ouve, porque algumas vezes impossibilitam
uma perfeita comunicação entre ambos.
(C) são convenções que, por serem originais desde o
início, se estabelecem na linguagem, embora nem
sempre se estabeleça a comunicação entre os
interlocutores.
(D) se estruturam na linguagem cotidiana pela facilidade
de entendimento, mas geram desconforto nos escritores,
necessariamente originais e criativos.
(E) se criam e se mantêm dentro de um universo de
referências comuns aos interlocutores, no momento
do ato comunicativo.

3. De acordo com o texto II, clichê, gíria e provérbio:

(A) podem, eventualmente, confundir-se, como fórmulas
prontas de fácil compreensão de leitura.
(B) se diferenciam por sua própria história, em sua
origem e na formação de seu sentido particular.
(C) constituem marcas de originalidade em um discurso
até mesmo por vezes pouco compreensível.
(D) cristalizam pensamentos que se fixaram e se
desgastaram pelo uso convencional ao longo do
tempo.
(E) resultam de transformações no idioma em consequência
do emprego reiterado em textos formais ou
informais.

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